Do interior do Brasil para o mundo: primeira experiência fora do país

Sempre tive uma vida pacata de garoto do interior – morei 17 anos em uma fazenda - contudo, sempre quis ir além: conhecer o mundo existente depois da porteira.

Cledson Luiz

Mar 21, 2022

11min

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Essa vontade fez-me dedicar muito aos estudos e com 17 anos iniciei a faculdade de Administração.

Neste momento larguei a vida no campo e mudei para a grande metrópole chamada Rio Quente - cerca de 3500 habitantes – no interior de Goiás, para quem era acostumado com o sossego da roça sair pra faculdade e passar a viver na cidade já foi uma grande mudança.

Não bastando e “sorte aqui é mato”, logo nos primeiros meses da nova rotina, consegui estágio em um grande Resort da região, onde após 4 meses recebi a primeira promoção: Assistente Administrativo.

Uau. Mas pera lá... Gostei não e, por isso, rapidinho passei a Consultor de Atendimento.

Minha rotina era trabalhar e estudar salpicada com algumas distrações nos fins de semana.

Foram 4 anos de muita determinação, noites em claro fazendo trabalhos e estudando até conseguir o tão suado diploma.

Objetivo alcançado, uffa, o que fazer agora?

Aos 21 anos e toda uma vida pela frente, parar para pensar assim assusta.

Só que eu queria ir além da porteira, lembra?

Viver novas experiências, fazer novas amizades, conhecer culturas distintas, sair da rotina do cotidiano.

Pode parecer loucura e muitas vezes bater aquela incerteza, mas eu era “O Cara”, o que poderia dar errado? Tudo, inclusive nada.

Mas isso eu só saberia se tentasse.

Carregava comigo a certeza de que se surgissem pedras no caminho treinaria minha paciência – que nunca foi pouca – e usaria meus erros como aprendizado, os obstáculos para abrir janelas de inteligência e a dor para fortalecer o emocional.

Foi então que decidi sair do meu emprego e me jogar nos braços do mundo.

Iniciava-se aqui uma nova etapa, meu primeiro intercâmbio em Dublin, Irlanda.

Agora sim você pode pensar numa mudança gigantesca.

No início meus pais foram contra e até chegaram a pensar que fosse apenas um capricho sem futuro, mas felizmente nada podiam fazer em contrário e eu já detinha o domínio de minhas escolhas e um planejamento financeiro que possibilitava isso.

O medo e a incerteza foram deixados de lado e eu FUI.

A aventura do primeiro intercâmbio

Quando soube dizer sim às oportunidades e expandir a mente a novas experiências vivi um período incrível em minha vida.

Achei que a barreira inicial em Dublin seria o frio, por isso já fui preparado: parecia um produto embalado a vácuo de tão bem empacotado e isso foi bom, até chegar a conexão em Londres.

Minha ansiedade estava num nível inimaginável quando me deparei com uma fiscalização de imigrantes com direito a cães farejadores e ameaças de atentado a bomba - coisa pouca- acho que meus quilos extras de agasalho me deixaram com cara de terrorista porque adivinha logo quem foi escolhido para a revista? Sim, eu mesmo, o cara com três blusas de frio, cachecol, luvas e capuz.

Fui orientado a tirar todas as blusas enquanto respondia algumas perguntas.

Com meu inglês básico, expliquei – eu acho - que estava indo para Dublin estudar e que não tinha muita fluência no idioma.

Pediram-me os documentos da escola e do seguro saúde e logo fui liberado. Sabe aquela experiência ruim que acaba sendo ótima no fim das contas?!

Pois é, eu poderia ter sido parado pela imigração no Brasil, mas não, eu estava na Europa, definitivamente na Europa. EUROPA.

Minhas primeiras semanas em Dublin foram tensas.

Procurar um lugar para morar, adaptar com o sabor da comida, saudades da família, Inglês básico e um frio lascado.

Sair daqueles agradáveis 40ºC de Goiás e aterrissar em -2ºC lá não é brinquedo, mas como seres altamente adaptáveis (quando queremos, claro) após dois meses já usava apenas uma blusa de frio e pouquíssimo tempo depois arrisquei-me até a ir a praia (lá eles chamavam de praia).  

Ao longo dos oito meses que duraram o intercâmbio fiz muitas amizades, conheci diversos pubs - já que Dublin é considerada a cidade dos bares e, além de estudar, viajei por diversas cidades da Irlanda e tive o prazer de poder conhecer treze novos países.

Contudo, a vida acabou me surpreendendo com a morte de um ente bem próximo e com a família muito abalada, optei por retornar ao Brasil e apoiá-los.

Cheguei aqui de volta em julho de 2016 e, três meses depois do meu retorno recebi uma proposta de emprego em outro Resort, só que agora em Florianópolis - SC, e como sempre sonhei em morar na praia, não pensei duas vezes: FUI NOVAMENTE!

Trabalhei. Trabalhei muito mesmo, mas aquela necessidade de sair da mesmice, criar novos hobbies, mudar hábitos só crescia.

Floripa é uma cidade maravilhosa. Estava na praia todos os dias – eu morava em frente a uma – e nas folgas sempre buscava conhecer uma praia ou trilha diferente.

Vivi essa rotina por oito meses, até que a inquietude tomou voz absoluta: o trabalho já não mais atendia minhas expectativas, trabalhava demais e não era reconhecido, então em conversa com o meu gerente e supervisor imediato, decidi usar alguns dias do banco de horas para realizar um projeto pessoal que há muito era desejado, realizar trabalho voluntário.

O tão esperado dia

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Pesquisando sobre o assunto, deparei-me com a Worldpackers, uma plataforma de trabalhos voluntários que atua em diversas partes do mundo, e logo pensei “porque não fazer isso?!”.

Com vinte dias disponíveis no banco de horas da empresa (eu ainda acho que eram mais) fiz minha inscrição para um projeto em Huancayo no Peru, que era basicamente o auxílio no ensino de crianças em uma escola da região.

Inscrição feita, lá vem a ansiedade antevendo a aprovação (ou não) do meu perfil.

Após três dias da solicitação feita, obtive um retorno positivo da equipe da plataforma, que se mostrou feliz em me receber.

Nessa hora o coração disparou.

Nunca tinha usado esse aplicativo, muito menos conhecido alguém que o usou.

Será se é seguro? E se eu chegar lá e não tiver nada? Milhares de indagações passaram por minha mente, mas eu confirmei minha ida.

Comprei passagem aérea até Lima e reservei o ônibus até Huancayo.

Vinte e dois de maio, o tão esperado dia chegou.

Saí mais cedo do trabalho, tomei um banho gelado na tentativa frustrada de abaixar o nível de adrenalina, arrumei meu mochilão e fui pro aeroporto.  

Ao embarcar no avião embarca junto o frio na barriga, um misto de dúvidas, alegria, empolgação e diversos outros sentimentos.

Junto à janela do avião passa um filme na cabeça – Ah! E a aeromoça com comida e vinho também.

Cheguei em Lima às 02:00h da manhã e meu ônibus para Huancayo era somente às 08:00h, então fiquei moscando um pouco no aeroporto antes de buscar a estação de ônibus.

Quando resolvi sair, senti-me uma celebridade no Red Carpet, havia uma multidão me aguardando na porta do aeroporto.

Inúmeros taxistas brigam por passageiros ali em todas as saídas possíveis do aeroporto e não há escapatória.

Fui de táxi até o Centro Histórico de Lima e ali acompanhei o nascer do sol.

Terminei de chegar andando na estação e assim que entrei no ônibus com destino a Huancayo, apaguei.

Durmo muito fácil e o cansaço ajudou.

Acordei umas 5 horas depois e pela janela acompanhava aquelas lindas montanhas e lagos com colorações incríveis.

O caminho até Huancayo é muito lindo.

Cheguei lá por volta das 17h e o sol ainda estava bem alto.

Decidi então ir caminhando até o local em que ficaria hospedado, mas ao sair da estação deparo-me com toda aquela loucura dos taxistas novamente.

Nunca vi tanto taxista por metro quadrado como vi lá em toda a minha vida, sem falar o quanto são insistentes e até chegam a ser chatos com suas buzinas estridentes.

Ao andar pelas ruas de Huancayo é possível identificar uma grande diferença cultural e desigualdade de classes.

Muitas pessoas vendem nas ruas o que cultivam, as casas não possuem pinturas, o transporte público é precário.

Deparei-me com uma realidade totalmente diferente das diversas cidades que frequentei e com isso veio a primeira lição nesse voluntariado: muitas vezes fechamos os olhos para os problemas sociais e só pensamos em nosso próprio mundo, não praticamos a empatia e infelizmente a mídia tem contribuído muito com isso.

Contudo, apesar dos grandes desafios daquele povo, era possível ver a alegria estampada em seus olhos, são muito festeiros, em duas ruas que passei havia banda com pessoal cantando e dançando, creio que um pouco para amenizar as dificuldades do dia-a-dia.

Chegando ao local em que ficaria hospedado, fui muito bem recebido pela anfitriã, uma simpatia e um carisma sem igual, me passou todas as orientações sobre a cidade, o trabalho voluntário, alguns lugares para visitar, a história do povo Huancayo, comidas típicas e muitas outras coisas.

O início do trabalho voluntario

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A ansiedade inicial foi sumindo à medida que se aproximava o novo dia e o começo do trabalho voluntário.

A anfitriã me levou até a escola com o transporte público, uma loucura – uma espécie de kombi que às vezes tem mais gente que um ônibus tradicional, o cobrador fica na porta anunciando o destino e você corre para entrar no veículo já em movimento.

Na escola fui apresentado aos professores que informaram a necessidade de auxílio em várias matérias, especialmente em matemática, visto que a professora tinha voltado recentemente da licença maternidade e tinha que sair alguns dias mais cedo, deixando assim as crianças sem fazer nada.

Aceitei a proposta e ao chegar na sala de aula, a sensação é bem parecida com o primeiro dia de aula, uma mistura de alegria e ansiedade.

Fui recebido com uma saudosa apresentação e, durante esses dias auxiliava a professora nas atividades em sala e os dias que ela tinha que ir embora mais cedo, ficava com o cronograma de atividades elaborado para repassar em sala.

Foram duas semanas e o desejo de ficar mais.

A sensação de ajudar o próximo é ótima, ver o sorriso naquelas crianças em um simples gesto de falar meu nome era indescritível, sem falar que sempre ao encerrar a aula corriam até mim para perguntar com pronunciava seus nomes em português.

O fim de cada aula era marcado pela gratidão em fazer o bem.

Não há dinheiro que pague tal sentimento.

A realização de mais um trabalho voluntário

A minha inscrição foi feita somente para o trabalho voluntário na escola, mas conversei com a anfitriã e busquei me informar se havia algum outro local que poderia ajudar no período da tarde, ela me informou que havia uma fazenda a cerca de 1:30h da cidade, e me levou lá para conhecer.

Gostei muito do local e decidi que realizaria também o trabalho voluntário ali.

Na fazenda pude fazer treinamento de cavalos de passo Peru, que consiste num treinamento na maneira dele andar, em um local onde  ficava repetindo algumas atividades com eles.

Cortava também capim para os porquinhos da índia, não pense que era de estimação, pois é uma carne típica do Peru, mas o choque maior foi quando, ao acompanhar o fazendeiro em um frigorífico para buscar ossos para os cães, me deparei com ossadas de cavalo e ao questionar sobre elas, fui informado de que algumas regiões circunvizinhas possuem o costume de consumir a carne e o seu couro possui uma enorme valorização.

Os dias na fazenda trouxeram muitos aprendizados, principalmente o respeito à cultura de cada região sem julgamentos.

voluntariando-no-peru

Além do trabalho voluntário é possível conhecer a região

Durante esse período no Peru, tive a oportunidade de também fazer turismo.

Conheci vários pontos turísticos da cidade e locais próximos.

Após o trabalho voluntário, tirei 5 dias para conhecer Machu Picchu, retornei para Lima e peguei um voo até Cusco, onde fiquei 2 dias - cidade maravilhosa, cercada por montanhas, com belas construções e um ambiente muito agradável, depois peguei uma Van até uma hidrelétrica próxima a Águas Calientes - povoado situado abaixo da montanha de Machu Picchu - todo o percurso até a hidrelétrica é lindo e ao mesmo tempo perigoso, pois passa próximo a vários penhasco, mas pra quem curte aventura como eu, foi demais.

Depois que cheguei à hidrelétrica foram mais 2 horas de caminhada até o povoado, outro momento único, o caminho é simplesmente inesquecível.

Ao chegar no povoado, me encantei ainda mais com o charme do lugar.

No dia seguinte, levantei às 5h da manhã pra subir a montanha e, assim que cheguei à entrada já havia cerca de 50 pessoas aguardando pra subir.

O trajeto até o topo é bem pesado, somente escadaria brigando com a altitude.

Ao chegar ao Peru, qualquer caminhada me cansava, mas depois de alguns dias o organismo acaba se adaptando à altitude.

A subida demorou uma média de 1h, chegamos lá com o sol nascendo e a sensação de estar lá foi indescritível.

Retornei para Cusco e de lá ia para Lima.

Cheguei em Cusco às 09h e o meu voo era às 10h, fui para o balcão realizar o check-in e a fila não andava, após 30 min nada da fila andar, o coração já tinha aumentado o ritmo das batidas quando vejo uma multidão correndo e gritando – parecia cena de filme, juro -  e eu torcendo para que não parasse junto ao meu balcão, mas pararam.

Começaram a vociferar que estavam dentro do avião e que foram informados que devido a problemas técnicos não seria possível a decolagem.

Os seguranças chegaram logo atrás.

E eu, em pleno exercício de minha paciência, saí em busca de outra companhia aérea com voo pra Lima, porque outro voo para o Brasil ficaria muito mais caro e ficar discutindo não faria o avião decolar, felizmente consegui um voo com saída às 10:30h e previsão de chegada às 11:40h em Lima, seria praticamente impossível conseguir embarcar às 11:45h para o Brasil, mas precisava arriscar.

Cheguei ao aeroporto de Lima exatamente às 11:45h e enfrentei uma verdadeira corrida dos desesperados, cheguei na imigração quase necessitando de um balão de oxigênio e de lá mais uma maratona até o portão de embarque. Embarquei aos 45 min do segundo tempo com a sensação de ter ganho na loteria.

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Os ensinamentos que adquiri com o trabalho voluntário

Foram 20 dias maravilhosos em que passei a entender melhor a necessidade do outro, construí laços com diferentes pessoas, compartilhei saberes, dividi alegrias e aliviei sofrimentos.

Forneci um pouco do que tinha, mas que pode ser muito para quem o recebeu, desenvolvi habilidades, melhorei minha saúde mental e física e sem dúvidas adquiri experiências e vivências.

O trabalho voluntário deixa a vida menos artificial e mais leve, faz com que deixemos de construir status e passemos a construir boas ações, e nos faz aproveitar o que temos de mais precioso o TEMPO.

Dessa forma terminei a experiência do meu primeiro trabalho voluntário através do Worldparckers, com a plena certeza que cresci como ser humano e, se me perguntarem se realizaria novamente a resposta é definitivamente afirmativa.

E é por isso mesmo que já fui para mais dois e estou aguardando chegar o dia para a realização do quarto, bem assim mesmo, do interior ao mundo.

Caso ainda  tenha receio de cair nessa experiência, pode me enviar mensagem pelo Worldpackers, ficarei feliz em ajudar !

E sigam o Insta @DestinosQueConheci para acompanhar próximas aventuras.




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