Tudo que aprendi sobre liberdade feminina viajando pela Índia

Viajar sozinha na Índia é desafiador, mas expandir minha liberdade feminina em um lugar tão exótico foi sensacional. Vem que te conto como esse desafio me transformou.

13min

tatuagem liberdade feminina

Em maio de 2019, finalmente tirei do papel o meu sonho de viajar para Índia sozinha. Com um visto de turista de um ano e apenas a passagem de ida, embarquei em uma das experiências mais transformadoras da minha vida.

Antes que você pergunte se não tive medo, afirmo que sim. Se você quiser saber mais sobre como planejei minha ida, sugiro que você leia esse artigo que escrevi sobre minha viagem sozinha para a Índia. Ele está cheio de dicas e motivação sobre esses dois assuntos e tenho certeza que você vai gostar!

Hoje vou falar sobre o tema campeão quando falo que fiz um mochilão pela Índia sozinha: o fato de ser mulher e estar por conta própria em um país que tem a fama de ser machista.

Sempre me considerei uma mulher livre, mas confesso que meu parâmetro de liberdade feminina se expandiu muito depois dessa imersão cultural. No total foram sete meses de viagem, sendo seis na Índia e um no Nepal.

Desde o momento em que decidi ir sozinha pra Índia já me senti diferente como mulher, mais destemida e empoderada. Por isso, organizei esse artigo em três partes: antes, durante e depois da viagem. Vem comigo!


liberdade feminina frases

1. Antes da viagem: decidir ir sozinha para Índia já é um ato de empoderamento feminino

Não consigo contar quantas vezes me perguntaram se não tinha medo de ir sozinha pra Índia. Me chamaram de louca. Vez ou outra me contavam de algum crime contra a mulher divulgado pela mídia. Quase sempre tinha que explicar os meus motivos de ir pra lá.

Eu tinha pesquisado demais, sabia dos perigos e da desigualdade de gênero na Índia. Me preparei, literalmente, por anos antes de comprar a passagem. Não seria a minha primeira vez viajando sozinha e não foi a primeira vez que tentaram me desmotivar a viajar por ser mulher.

Vou te contar rapidamente a primeira vez que isso aconteceu. Em 2013 fui para o Egito. Antes de embarcar, muita gente tentou me desanimar porque “não era bom ir pra lá sendo mulher”, mas determinada a conquistar esse sonho, fui mesmo assim.

Resumo da história: cheguei no Egito e em uma semana começou a Revolução de 2013. Foi um momento de caos, protestos, toque de recolher e, infelizmente, muitas mortes.

Meus pais sofriam achando que poderia morrer porque a mídia divulgava como se todo o Cairo estivesse em guerra. A realidade era outra: eu vivia uma vida praticamente normal, mesmo com o toque de recolher e militares nas ruas.

Os protestos aconteciam em locais específicos. Depois de 3 meses, voltei sem nenhum arranhão e tendo conhecido diversas cidades. Meu coração estava transbordando de orgulho.

Após essa experiência no Egito, tinha mais confiança em ir para a Índia e desbravar com meus próprios olhos. Se superei uma Revolução no Egito, por que não conseguiria desbravar a Índia? Sem contar os mochilões que fiz sozinha pela América Latina em 2015.

Já vi muitas mulheres desistindo de viajar pra Índia sozinhas apenas por serem mulheres. Toda vez que alguém me falava que não deveria ir sozinha por ser mulher, eu argumentava. Nunca deixei passar nenhum comentário ofensivo.

Sou dona da minha vida e ninguém tem o direito de falar o que devo ou não fazer por ser mulher.

Por isso que digo que simplesmente o ato de decidir ir para Índia sozinha já é um ato de empoderamento feminino: é tomar as rédeas da sua vida, é lutar e conquistar seu direito de ir para onde quiser, independente de acharem que você não deveria.


Mapa da Índia

Seu namorado vai te deixar viajar sozinha?

A segunda polêmica na minha decisão de ir pra Índia foi que eu estava namorando. Algumas mulheres me fizeram essa pergunta. Também fui questionada se o namoro ia continuar ou o que ele achava da minha decisão. A Índia não foi a minha primeira viagem sozinha namorando, então já estou acostumada com esse tipo de pergunta. 

Namoro há 6 anos, inclusive começamos a namorar depois que voltei do Egito. Ele me conheceu sendo uma mulher livre, com sonhos e vontade de explorar o mundo. Somos parceiros da vida, então valorizamos a individualidade de cada um ao mesmo tempo que temos nossos sonhos juntos. 

Nesses seis anos de relacionamento, ele fez um voluntariado de três meses no Chile, fiz um mochilão sozinha pela Bolívia e Argentina por três meses, onde ele me encontrou no final. E também já viajamos apenas com nossos amigos separadamente. 

Apesar de tudo, preciso concordar que a Índia seria diferente. Sabia que ele não poderia me encontrar porque era caro e ele sabia que eu não tinha data pra voltar. Fomos na base da confiança no nosso namoro que sempre deu certo. 

Ele nunca tentou mudar a minha ideia, nunca falou que não poderia ir. Ao contrário, sempre me incentivou, mesmo não sabendo quando nos reencontraríamos.

Não foi fácil por motivos de fuso horário, distância, rotinas diferentes, mas independente das dificuldades, sempre mantivemos a comunicação clara e honesta. Nosso namoro sobreviveu e se fortaleceu em diversos sentidos.

Entendo que pode parecer um sonho ter um alguém compreensivo e companheiro e que topa esse tipo de aventura. Mas se não fosse assim, não teríamos dado certo. 

Não aceite se relacionar com alguém que tenta te reprimir, que fala que você não pode fazer algo por ser mulher, que não apoia as suas viagens e sonhos.

Viva ao lado de quem te inspira a conquistar o que seu coração anseia e que seja um impulso nessa jornada. Esse é um ponto muito delicado e importante para a liberdade feminina: estar com alguém que não que te impeça de voar e se sim admire o abrir das suas asas. 

Separei algumas dicas para ajudar o seu parceiro(a) a fazer parte da sua viagem:

  • Inclua seu parceiro(a) na organização da viagem;
  • Mostre suas ideias de roteiros, lugares que você pretende conhecer;
  • Pergunte se há alguma preocupação em relação à sua segurança e como ele(a) acha que você poderia se prevenir;
  • Façam as compras da viagem juntos;
  • Coloque um mapa no quarto dele(a) e marque os lugares onde você pretende ir, assim ele(a) pode ir acompanhando a sua viagem;
  • Fale sobre suas expectativas e medos;
  • Mostre como é importante ter ele(a) ao seu lado nesse momento tão importante;
  • Deixe bilhetinhos escondidos para que ele(a) encontre durante o período que você estiver fora;
  • Compartilhe o máximo que puder com ele(a) durante a sua viagem;
  • Seja honesto(a), marque vídeo chamadas, converse sempre que alguma coisa estiver estranha.

Isso foi o que fizemos e deu muito certo! A ideia do mapa na parede foi muito legal porque antes de viajar marquei alguns lugares, mas depois ele foi acompanhando os outros que estavam fora do planejamento inicial. Os bilhetinhos escondidos também fizeram sucesso!

Envolver meu namorado no planejamento foi muito bom. Ele acabou dando meu atual kit sobrevivência que foi muito útil na viagem. Mas acima de tudo, o que mais nos ajudou foi a comunicação. 

Depois de vencer essa primeira etapa, te conto como a minha liberdade feminina se expandiu durante a viagem.

2. Durante a viagem: o impacto de ser uma mulher viajando sozinha pela Índia



Antes de começar a falar, gostaria de ressaltar que tudo o que escrevo é de acordo com a minha experiência e tudo que vivi. 

Durante os seis meses, conheci 23 cidades, sendo que repeti algumas delas. Estive seis vezes em Delhi, duas vezes em Mumbai e outras duas em Varanasi. Além disso, em cada cidade que passei fiquei no mínimo uma semana.

Fiz uma comparação superficial entre Índia e Brasil. Separei o que mais me chamou atenção e que, na minha opinião, contribui para Índia ser como é e tão diferente do Brasil:

  1. A Índia é um país com mais de 1,3 bilhão de pessoas, o Brasil mais de 209 milhões, enquanto a Índia é territorialmente menor que o Brasil;
  2. A independência da Índia aconteceu há 72 anos, enquanto a do Brasil há quase 200;
  3. A Índia foi explorada por diversos povos, de religiões diferentes e houve muitas guerras até conquistarem a Independência. O Brasil foi colonizado pelos portugueses;
  4. Por mais que a Índia fale hindi e inglês, boa parte do país não fala nenhuma dessas línguas e há mais de 100 idiomas e dialetos espalhados por todo o território;
  5. A Índia viveu por muitos anos sob o sistema de castas e os efeitos refletem até hoje;
  6. A Índia é um país religioso. A maioria é Hinduísta, mas boa parte segue o Islamismo. Também são presentes o Cristianismo, Sikhismo, Jainismo e Budismo.
  7. O Brasil é supostamente um país laico e, de acordo com o IBGE, mais de 85% da religião é cristã.

Com uma pequena comparação já é possível ver como são países muito diferentes. Aconselho as pessoas a tentarem entender a história da Índia antes de querer julgar ou generalizar. Na verdade, isso serve para qualquer país.

A Índia é muito complexa e cada cidade é muito diferente da outra. Agora que você já sabe um pouco do contexto e da comparação Índia e Brasil, vou contar sobre o impacto de ser uma mulher viajando sozinha por lá.

A liberdade feminina atrai olhares curiosos

Provavelmente você já deve ter ouvido falar que, na Índia, uma estrangeira sozinha é alvo de olhares dos homens. Não tenho como negar, isso acontece mesmo. Mas alguém já te contou que, dependendo da cidade, quase não há mulheres nas ruas?



Conheci desde enormes centros urbanos como Delhi, Mumbai e Bangalore, mas também fui para cidadezinhas no interior como Jaisalmer, no deserto do Rajastão. É incrível que, dependendo do lugar, é difícil encontrar mulheres nas ruas, ainda mais sozinhas.

Agora, pense comigo: um homem que não está acostumado a ver mulheres sozinhas, de repente, vê uma estrangeira. Não tem como não olhar, até eu me olharia. Além disso, os indianos são muito curiosos, e nisso incluo os homens e as mulheres.

A curiosidade dos indianos é tão grande que, se eles tiverem a oportunidade, vão te perguntar de onde você é, o que está fazendo, para onde está indo. Do mesmo jeito que eles gostam de contar histórias, eles gostam de ouvir. Isso foi uma das características que mais cativou na Índia.

Além dos olhares dos homens, as mulheres também olham desconfiadas. No começo, até me sentia um pouco constrangida. Com o passar do tempo, comecei a retribuir com sorrisos as mulheres que me encaravam. Elas sorriam de volta.

Cada vez mais me sentia uma mulher poderosa por poder caminhar livremente. Sei que mostrava para elas que a minha liberdade era delas também, a mais pura liberdade feminina.

O relacionamento com as mulheres me ensinou sobre empoderamento feminino. Sempre que tinha a oportunidade compartilhava minha história e escutava a delas. Para mim, as mulheres na Índia são um exemplo de determinação, força e coragem

O relacionamento com os homens foi um pouco diferente. Muitos homens indianos não estão acostumados com mulheres livres que conversam com outros homens, que viajam sozinhas e carregam suas mochilas nas costas. Muitos nunca tiveram um relacionamento e seus conceitos de romance vêm dos filmes de Bollywood.

Alguns homens acham atraente uma mulher ocidental mais comunicativa, outros acham que uma mulher “de família” não deveria bater papo com outros homens a não ser que se interesse em casar.

Uma mulher livre na Índia mexe com a cabeça dos indianos

Seja estrangeira ou indiana, uma mulher livre mexe com o íntimo dos indianos. Alguns podem fazer declarações de amor, outros podem te pedir em casamento. Também há os que mexem na rua e falam besteira. Outros que pedem pra tirar selfie ou os que tiram sem pedir.



Se em algum momento me sentia ofendida ou assediada, eu tinha o poder de falar ou fazer alguma coisa. Não vou negar que situações chatas aconteceram, mas foram poucas considerando 6 meses de viagem, e em nenhuma delas senti minha vida em risco.

Foram mais pedidos de selfie, gente falando besteira na rua ou então alguém andando do meu lado me encarando muito. Por isso te dou algumas dicas para essas situações. Já aviso que vai precisar soltar a voz, então caso precise se impor, deixe a vergonha de lado:

  • Se algum homem te seguir e ficar te encarando muito, não tenha vergonha e pergunte bem alto o que ele quer porque eles não esperam uma reação, então quando você reage, eles saem de perto e ficam envergonhados;
  • Se mesmo falando alto ele não sair de perto, fale que você vai chamar a polícia e entre em alguma loja para garantir sua segurança: eles têm medo da polícia porque há muitas leis contra assédio. Nunca precisei falar isso, mas amigos homens indianos me deram essa dica;
  • Se alguém pedir para tirar selfie e você não se sentir confortável, diga não. E se alguém tirar sem sua permissão, peça para deletar;
  • Não precisa ser simpática com homens desconhecidos: muitos homens entendem um sorriso como se você estivesse dando bola para eles;
  • Ande confiante na rua com a cabeça erguida: a imagem de uma mulher poderosa amedronta, enquanto se você parecer frágil, eles podem querer se aproveitar;
  • Confie na sua intuição: se você achou a pessoa estranha, saia de perto ou peça ajuda, de preferência, para mulheres.

A maneira de lidar com os homens foi bem interessante. O fato de fazer trabalho voluntário com a Worldpackers me ajudou muito nesse aspecto, porque em muitos casos eu era a única mulher do staff. Pude aprender bastante sobre o universo masculino.

Sempre fui tratada com respeito. Eles me levavam para conhecer a região, conversávamos sobre diferenças culturais e sou muito grata pelas experiências. Conhecer a história da Índia e aprender um pouco sobre o comportamento masculino foi essencial para me sentir mais empoderada, mas não foi só isso. 

Por isso, juntei algumas atitudes como viajante que me ajudaram a ser uma mulher respeitada e confiante:

  1. Estudei sobre a história da Índia antes de viajar;
  2. Aprendi hindi a ponto de falar algumas frases e pensarem que eu era indiana;
  3. Aumentei a voz quando foi necessário;
  4. Disse não quando essa era a minha vontade;
  5. Sempre demonstrei respeito pela cultura e religião;
  6. Nunca me julguei superior por ser estrangeira;
  7. Coloquei a minha segurança sob minha responsabilidade;
  8. Nunca me tratei com inferioridade por ser mulher.

Essa lista poderia ser maior, mas você pode ver que ela se baseia em respeito, estudo e humildade. Ao mesmo tempo que tinha a consciência de que as mulheres na Índia ainda são tratadas como inferiores, eu tinha em mente que deveria ser respeitada. 

A cada dia que passava, me sentia mais confiante e segura. No geral, a tive experiências muito mais positivas com os homens do que negativas, inclusive o meu melhor amigo durante a viagem foi um indiano, que é meu grande amigo até hoje.

Chegou um ponto em que pegava trens comuns com os indianos, negociava preços em Hindi, pedia para homens me ajudarem a carregar as minhas malas, pedia pra saírem do meu lugar no trem. 

Conversava com as velhinhas, brincava com as crianças, compartilhava comida entre uma estação e outra. Perguntava sobre a vida deles e contava sobre a minha.

Aprendi muito e fui uma mulher livre. Ensinei para indianas sobre liberdade feminina ao mesmo tempo que olhava para as minhas próprias atitudes.

Vivi uma imersão cultural completa, como viajante e como mulher. Conheci o deserto, as florestas do sul, a neve nos Himalaias, as cidades mais modernas e fui até a fronteira com o Paquistão. 



Peguei transporte público, trem, ônibus, aviões e até cruzei a fronteira entre a Índia e Nepal por terra e sozinha. Foram muitos momentos onde provei a minha resiliência e mostrei para todos, e para mim mesma, que posso fazer qualquer coisa sendo mulher.

3. De volta ao Brasil: a mulher livre de sempre, empoderada como nunca

Depois de tantas aventuras, a volta para o Brasil não foi fácil, mas necessária. O papel das mulheres na Índia ou no Brasil não são simples. 

Cada país tem suas dificuldades específicas, mas um ponto em comum inegável entre a Índia e o Brasil é: as mulheres ainda têm que lutar por espaço e respeito. Inclusive, aceito convites para conhecer lugares que sejam diferentes.

Se leu até aqui, você percebeu que desde o momento em que anunciei a minha viagem tive que argumentar sobre a minha capacidade de ir sendo mulher. Sei que muitas mulheres acabam desistindo de diversos desafios, não por não acreditarem em si, mas por deixarem que a voz de outra pessoa seja mais alta do que a própria intuição.

A sociedade não pega leve com as mulheres, por isso, uma das lições mais importantes que tirei dessa viagem é: valorize a sua intuição e una-se à outras mulheres.

A liberdade feminina e o empoderamento feminino só são possíveis quando nós mulheres nos unimos. Poderia guardar toda a minha experiência, mas quero ver o mundo cheio de mulheres poderosas e livres, independente do que elas escolham fazer.

Hoje me sinto mais confiante para viajar para lugares exóticos. Sou mais tranquila para conversar e refletir sobre diversos assuntos. Digo “não” sem medo e “sim” quando julgo necessário. 

Minha experiência me permite saber em quem confiar. Cada vez mais acredito que vou chegar onde decidir que é o meu destino.

Antes de me despedir, decidi relacionar alguns materiais que me ajudaram nesse processo e que podem ser úteis na sua jornada à Índia e à expansão da sua liberdade feminina:

Material de apoio:

  • Livro para entender mais sobre a Índia: Os Indianos de Florência Costa.
  • Livros para inspirar sobre empoderamento feminino: Mulheres que Correm com os Lobos por Clarissa Pinkola Estés, Comer, Rezar e Amar de Elizabeth Gilbert e Eu Sou Malala por Malala Yousafzai.
  • Documentário para entender sobre a realidade das mulheres na Índia: Absorvendo o Tabu e Daughters of Destiny, ambos disponíveis na Netflix e A Suitable Girl disponível na Prime Video da Amazon.



Caso você queira saber mais sobre voluntariados na Índia é só clicar aqui

Muito obrigada por acompanhar a leitura até aqui! Sinta-se à vontade para comentar e compartilhar.

É sempre um prazer falar sobre essa experiência para mulheres. O mundo é nosso!



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