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Turismo afrocentrado: roteiros que valorizam a cultura negra

O turismo afrocentrado, ou afroturismo, é uma forma de conhecermos e valorizarmos a cultura negra nos lugares que visitamos. Conheça territórios que carregam essas histórias.

Débora

Jun 22, 2022

12min

turismo afrocentrado

Você já ouviu falar em turismo afrocentrado, ou afroturismo? Eu percebi a importância de a história ser contada a partir das pessoas que a representam quando estava viajando por Paraty e resolvi participar de um Free Walking Tour no centro histórico da cidade.

Ouvindo a história da cidade enquanto percorria as ruas e construções percebi o quanto as pessoas escravizadas tiveram um papel-chave na formação de Paraty. Desde o calçamento "pé de moleque", símbolo da cidade, até o trabalho nas plantações de cana de açúcar para produção de cachaça artesanal, produto tradicional de Paraty até hoje.

Apesar de o guia contar a história com essa influência dos africanos escravizados, senti que não era o suficiente. Os comentários estavam presentes como uma parte da narrativa da cidade, mas em segundo plano. Para mim, esse aspecto merecia ter mais atenção, devido à sua importância para a fundação de Paraty e toda a riqueza que teve e ainda possui.

A partir daí, passei a pesquisar sobre turismo afrocentrado e lugares no Brasil que possuem essa modalidade. 

Além de ser uma forma de turismo consciente, ultrapassando o simples consumo e tendo como foco a história dos territórios, o turismo afrocentrado, ou afroturismo, também é uma forma de conhecer essas histórias através de pessoas que representam esses povos. São pessoas que trabalham para manter esse legado vivo, assumindo o papel de protagonistas, e não meros coadjuvantes.

O que é turismo afrocentrado?

Antes de tudo é preciso esclarecer o que é turismo afrocentrado, também conhecido como afroturismo. Como o nome indica, é uma modalidade do turismo que tem como foco a cultura africana. 

Mas não é só isso: o ideal no afroturismo é que as pessoas que contam essas histórias, organizam e gerenciam os roteiros sejam negras, de forma que se constitua toda uma cadeia de produção apropriada por afrodescendentes.

Nas palavras da blogger Rebecca Aletheia, que já escreveu aqui no blog sobre Como o Afroturismo pode fazer parte do seu voluntariado, o turismo afrocentrado representa a valorização do turismo cultural através dos patrimônios culturais e/ou imateriais de um determinado grupo étnico, no caso a população negra. 

Se trata de um canal de valorização da cultura afro-brasileira para que ela não seja mais invisibilizada e tenhamos o lugar de fala sobre nossa história.

Para nós viajantes negros o turismo afrocentrado é uma oportunidade de conhecer nossa história por onde passamos, e de nos sentiremos mais acolhidos, já que ele proporciona uma ligação mais forte com os territórios e pessoas que promovem a experiência, outros participantes e os moradores dos locais por onde estamos viajando.


Museu Afro Brasil 

Afroturismo no Brasil

Levando em consideração que nós negros somos 56% da população brasileira, o turismo étnico no Brasil tem uma grande importância por resgatar essas histórias. Ele mostra para os turistas estrangeiros e brasileiros, além da população local, o quanto os africanos e seus descendentes têm participação central na construção do nosso país, principalmente nas cidades históricas e mais turísticas.

O turismo étnico no Brasil vem ganhando destaque nos últimos anos com empreendedores negros que têm investido na criação de plataformas que dão essa possibilidade. 

É o caso de empreendimentos como Diáspora.black, Blackbird, Brafrika e Sou+carioca, que proporcionam experiências de turismo afrocentrado incluindo tours guiados, viagens, hospedagem em casas de pessoas negras, passeios para quilombos e tours com enfoque nas religiões de matriz africana.

Várias são as cidades do Brasil em que o turismo afrocentrado tem crescido, tanto nas capitais mais populosas como São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, quanto em locais em que o turismo é bem forte e existe uma herança negra bem forte, como é o caso de Paraty, que já mencionei.

Abaixo vou listar essas cidades e alguns dos locais que podem ser visitados por lá, contando um pouco da sua história. Você pode tanto explorar esses locais por conta própria quanto buscar roteiros guiados através das plataformas que mencionei acima, ou procurar projetos de Turismo de Base Comunitária.

Ah, e uma dica: todas essas cidades possuem anfitriões na Worldpackers, de modo que é possível atrelar atividades de afroturismo com o voluntariado colaborativo pela plataforma, trocando trabalho por hospedagem e vivendo experiências inesquecíveis. Se você ainda não conhece a Worldpackers, leia nosso artigo sobre como funciona o intercâmbio de trabalho. 

Turismo afrocentrado em São Paulo 

São Paulo é a cidade com maior número de negros no Brasil: são 4 milhões. Apesar disso, as histórias e marcos territoriais relacionados à população negra foram invisibilizados durante muitos anos.

Bairros tradicionais como Liberdade, Bixiga e Barra Funda são normalmente lembrados por seus laços com uma tradição imigrante europeia, mas eles também têm uma história de origem africana a ser contada.

Bairro da Liberdade

A Liberdade é associada à tradição asiática, principalmente japonesa. Mas o que muitos não sabem é que um século antes da chegada dos imigrantes nipônicos a região era conhecida como Largo da Forca, lugar onde acabavam os cortejos das pessoas escravizadas condenadas à forca. 

O nome Liberdade, aliás, está ligado a esse passado. A história por trás do nome do bairro é de que a corda utilizada para enforcar o escravo Francisco José das Chagas (Chaguinhas), condenado à forca, rompeu três vezes, e as pessoas presentes no momento passaram a clamar por sua liberdade. 

Na região logo em frente à estação de metrô, na praça da Liberdade, ficam a Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados e a Capela dos Aflitos. Nessa última eram sepultados os corpos dos negros e indígenas condenados à forca. 


Capela dos Aflitos (Imagem: Osvaldo Furiatto/Pinterest)

Bixiga e outros bairros

E você sabia que o Bixiga, área de imigração italiana, se originou de um quilombo? A Paróquia Nossa Senhora de Achiropita, famosa pela tradicional festa da macarronada, promove eventos de origem afro. 

Tanto missas e batismos quanto aulas de capoeira e danças africanas promovidas pela Pastoral Negra da Igreja Achiropita, além do samba representado pela escola Vai Vai, que utiliza muito em seus enredos a temática negra.

Ainda temos um reduto dos novos migrantes na região da República, com a Galeria do Reggae e Galeria Sampa, que vendem diversos produtos e roupas e têm salões de beleza com enfoque nos cabelos afro. 

Grajaú

Na periferia também está se construindo o turismo étnico com o passeio no Grajaú, bairro da zona sul da cidade de onde vêm os cantores Criolo e Raquel Virgínia. Existe uma forte tradição cultural presente no Centro Cultural Grajaú, com aulas de dança, shows, sarau, literatura periférica e slam. 

O pagode da 27 é outro evento famoso do bairro que acontece todos os domingos, com rodas que cantam músicas tradicionais do samba e pagode e também abrem espaço para novos compositores.


Ensaio Vai Vai, Bairro do Bixiga.

Turismo afrocentrado no Rio de Janeiro

Outra cidade que tem uma história negra muito forte é o Rio de Janeiro. Lá, 12% da população se declarou negra no último Censo. Isso se reflete na realidade da cidade, nas pessoas e nos marcos culturais como o samba, pagode e funk, ritmos que possuem grande influência africana.

Sem falar no Carnaval: a maior parte das escolas de samba possui enredos que remetem a essa herança negra, tratando das religiões de matriz africana e países do continente, além de os componentes das escolas serem em sua maioria negros.

Pequena África

A região da Pequena África, situada no centro do Rio, próxima ao ancoradouro e Boulevard Olímpico, possui uma história negra bem forte. Foi por causa das Olimpíadas de 2016 que a região foi revitalizada e agora tem um movimento muito maior de turistas e moradores, o que não ocorria antigamente por conta da degradação da área e consequente falta de segurança.

É possível encontrar vários tours afrocentrados por lá, e um deles é oferecido gratuitamente pelo Instituto dos Pretos Novos (IPN). O chamado Circuito Histórico de Herança Africana tem início no Largo da Prainha, onde havia uma pequena praia antes da região ser aterrada. 

Lá se encontra uma estátua de Mercedes Baptista, primeira dançarina negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal e uma precursora da dança afro-brasileira.


Estátua Mercedes Baptista, no Largo da Prainha.

No Largo estamos aos pés do Morro da Conceição, região de forte herança africana que hoje possui vários ateliês de arte e se diferencia de outras partes da cidade por possuir casas com estilo colonial. 

Lá, os moradores vivem mais nas ruas: o adultos sentados nas calçadas conversando, as crianças brincando na piscina em um dia de calor, os varais nas janelas com roupas secando... Tudo isso dá à região um clima de cidade pequena no meio da metrópole.

Ali encontramos também a Pedra do Sal, chamada assim por ser o local de desembarque dos carregamentos de sal que as pessoas escravizadas transportavam até a parte de cima do Morro da Conceição. A escadaria na pedra foi feita pelos negros escravizados, inclusive.

E além de ser o local de trabalho, esse se tornou um ponto de encontro dos negros após as exaustivas horas de trabalho, para confraternizar e fazer batucadas. Isso fez o espaço se tornar o berço do samba carioca, onde reuniam-se grandes nomes como Pixinguinha. Hoje ainda ocorrem as rodas de samba e pagode da Pedra do Sal, além de várias outras manifestações culturais de origem afro.



No circuito percorremos também o Jardim Suspenso do Valongo, com arquitetura romântica, que foi construído com o objetivo de apagar a herança afro-brasileira da região. 

Depois passamos pelo Cais do Valongo. Patrimônio da Humanidade da UNESCO desde 2017, o Cais foi a principal porta de entrada das pessoas escravizadas de origem africana durante o ápice do tráfico negreiro. Segundo pesquisas, em torno de um milhão de negros desembarcaram ali. 

Após a proibição do tráfico de escravos, o Cais foi desativado e aterrado, e construíram por cima o Cais da Imperatriz, que foi aterrado novamente. Durante muitos anos não se sabia onde ele estava situado, até que em 2011, com as escavações para a revitalização da área, o lugar foi redescoberto.

Na região podemos ver ainda o local de manifestação da Revolta da Vacina, o Morro do Livramento (onde viveu Machado de Assis), o Centro Cultural José Bonifácio (onde hoje funciona o MUHCAB - Museu da História e Cultura Afro-Brasileira) e, por fim, o Cemitério dos Pretos Novos

Esse é um dos poucos locais que têm provas da violência praticada sobre os africanos escravizados, com dezenas de restos mortais que foram queimados, despedaçados e espalhados para não serem identificados.

Visitando essa região, compreendemos a história afro no Rio de Janeiro, sua influência cultural, econômica e religiosa. Esse roteiro de turismo afrocentrado contribui para manter vivo o legado das pessoas que construíram a cidade, apesar das constantes tentativas de tentar apagá-lo da história e de afastar seus descendentes das regiões centrais da cidade.

Turismo afrocentrado em Paraty

Paraty é uma cidade que foi construída e cresceu por conta dos negros escravizados, como comentei brevemente no início do texto. Segundo os paratienses, seu famoso calçamento chamado de “pé de moleque” leva esse nome por ter sido ajustado pelos pés das crianças negras escravizadas. 

As quatro igrejas da cidade eram cada uma destinada a uma parte da população, sendo que a Igreja Santa Rita destinava-se aos escravos libertos e a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito aos escravos cativos.

As pessoas escravizadas trabalhavam nas plantações de cana de açúcar, matéria-prima para a produção da cachaça artesanal da cidade, que durante muito tempo foi uma das principais fontes de renda por lá, além de ter sido utilizada como moeda de troca por escravos. Hoje a cachaça permanece sendo parte da identidade de Paraty, conhecida em todo o país pela sua alta qualidade.

Quilombo em Paraty

Além desse roteiro de turismo afrocentrado no centro histórico de Paraty existe também o roteiro quilombola. É possível conhecer o Quilombo do Campinho da Independência, o primeiro do Estado do Rio de Janeiro, que está a 13 km do centro histórico.

O quilombo teve sua origem com três negras que haviam sido escravizadas, Antonica, Marcelina e Maria. Elas receberam as terras do senhor de escravos dono da Fazenda Independência e com o passar do tempo se organizaram socialmente. 

Hoje os descendentes dessas três mulheres vivem no quilombo preservando a cultura negra e compartilhando com os visitantes a culinária tradicional no Restaurante do Quilombo, o artesanato e as histórias dos antepassados contados pelo griô, pessoa mais velha da comunidade.

Esse roteiro de afroturismo é importante para o reconhecimento da herança étnica negra e pelo fato de conhecer um local de resistência e manutenção da tradição e cultura negra em Paraty.

  • Busca um voluntariado em Paraty para trocar suas habilidades por hospedagem e outros benefícios? Existem vários anfitriões disponíveis por lá.

Igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (Imagem: Rafael Henrique Meireles)

Turismo afrocentrado em Salvador

Salvador tem 82% da sua população constituída de pretos e pardos (PNAD, 2017). Não por acaso, a capital baiana respira essa negritude, representada na sua população, tradições e territórios da cidade.

O turismo afrocentrado na cidade já tem lugar há algum tempo e tem se expandido cada vez mais. A prefeitura da capital, por meio da Secretaria Municipal de Turismo, está desenvolvendo um projeto de turismo étnico que procura estimular empreendedores negros na cidade e fortalecer essa reconexão com a ancestralidade negra que várias pessoas do Brasil e do mundo buscam por lá.

Pelourinho

Diferentes pontos da cidade carregam essa ancestralidade. O mais conhecido é o Pelourinho, bairro que é Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO e fica no centro da cidade. Lá estão presentes a Igreja Nossa Senhora Rosário dos Pretos e o Museu Afro, além dos blocos de tambores como Olodum e Afoxé, que saem pelas ruas do bairro tocando. 

A palavra "pelourinho" remete a um instrumento utilizado pelos portugueses para castigar as pessoas escravizadas, que nele eram amarradas e chicoteadas. Hoje, o nome desse bairro símbolo da Bahia e dos afro-brasileiros nos faz lembrar o sofrimento que nossos antepassados passaram durante o período da escravidão.

Turismo religioso

Há também muita força no turismo religioso. Segundo a UFBA, em Salvador existem 1.165 terreiros cadastrados, o que mostra a forte presença das religiões de matriz africana na cidade. 

O Caminho dos Orixás é um dos roteiros que podem ser feitos para conhecer mais profundamente os orixás e a tradição religiosa atrelada a eles, ao se visitar as casas de matriz africana.

Além disso, só de caminhar pela cidade é possível ter contato com as práticas de Capoeira, as Baianas do Acarajé e os blocos de Carnaval Afro. Em Salvador, a cultura afro está no ar, com o cheiro do acarajé, os batuques dos blocos e essa população que representa a Meca Negra do país.


Bloco Olodum Mirim (Foto: Toda Bahia)

Turismo afrocentrado em Alagoas

Alagoas é outro ótimo destino de turismo afrocentrado no Brasil. Lá se encontra a União dos Palmares, local onde existiu o maior quilombo brasileiro. Ele foi liderado por Zumbi dos Palmares, assassinado no dia 20 de novembro de 1695 - data em que hoje comemora-se o Dia da Consciência Negra. 

A comunidade reuniu cerca de 30 mil pessoas, entre escravos fugitivos, indígenas e brancos pobres, e representou umas das principais fontes de resistência à escravidão no Brasil

O Parque Memorial Quilombo dos Palmares é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e recebe visitas. Por lá, é possível ver como eram as construções da época e escutar como era o dia a dia no quilombo, além de visitar um restaurante com pratos de origem afro-brasileira.

Maceió

Além disso, também é possível conhecer mais sobre a tradição afrocentrada na capital do estado, Maceió. A cidade tem vários pontos históricos relacionados à cultura negra, como a Igreja Rosário dos Homens Pretos.

Também vale destacar a Casa de Iemanjá, que representa a resistência dos praticantes das religiões de matriz africana na cidade, que durante muitos anos foram perseguidos. O evento do Quebra representou o estopim dessa perseguição. 

Sem falar nos diversos folguedos e festas de rua celebradas em Alagoas e outras partes do Nordeste, que possuem também uma origem étnica muito ligada à história negra. 


Monumento Quilombo dos Palmares, Alagoas (Foto: Waldson Costa/G1)

E aí, gostou de conhecer esses roteiros de afroturismo pelo Brasil? Tem alguma dúvida ou dica sobre turismo afrocentrado ou turismo étnico? Conta nos comentários!



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